O som da revolta

João Mineiro
Priscilla Marques Campos

No seu terceiro álbum, o artista afro-português Scúru Fitchádu funde a sabedoria ancestral com a revolta urbana, transformando memória e militância em uma trilha sonora para a resistência.

Scúru Fitchádu. Imágem © Vera Palminha

“Que força é essa?” perguntou Sérgio Godinho, um dos mais importantes cantores e compositores portugueses, em 1972, quando Portugal ainda estava submerso na longa noite do fascismo — arrastando a agonia de seu sistema colonial, condenando pessoas a uma guerra injusta e espalhando a carnificina em massacres como o que ocorreu naquele ano em Wiryamu, Moçambique. Aqueles eram tempos difíceis, marcados por uma “dormensia ku korrenti”, como Scúru Fitchádu viria a escrever e cantar mais tarde em Nez txada skúru dentu skina na braku fundu (2023), seu álbum posterior, onde ele retrabalhou e ressignificou a poética da guerrilha e dos movimentos de libertação africanos, colocando-os nas frias e concretas matas da cidade contemporânea.

Mais de cinquenta anos se passaram desde aquele distante 1972, embora as fricções dessa memória permaneçam vivas no presente. Afinal, como testemunhamos recentemente em Portugal, onde o partido político racista de extrema-direita Chega teve 22,5% nas eleições recentes (2025), o ovo da serpente nunca foi devidamente incinerado — lá está ele hoje, transformado em uma hidra com cinquenta cabeças furiosas, prontas para esmagar qualquer um que ouse resistir. Lá estão eles, todos eles — filhos e netos de fascistas, colonialistas e terroristas reempacotados — agora confortavelmente aninhados nos assentos honrosos do Parlamento.

Por coincidência histórica, o terceiro álbum de Scúru Fitchádu, Griots i Riots, foi lançado na manhã seguinte às eleições mais recentes (2025), um dia de ressaca e choque para aqueles que cresceram acreditando que o fascismo pertencia ao passado — que lugares de repressão como Tarrafal, ou a violência política das milícias na rua, permaneceriam como questões de memória, não ameaças futuras que pairam no horizonte. Essa coincidência histórica, como dissemos, tornou este álbum ainda mais urgente, um sintoma de seu próprio tempo. Urgente, porque é impossível ouvir o grito implacável de “Kema palasio kema” sem imaginar os porcos que assariam lindamente naquele fogo redentor. E sintomático de nosso tempo porque aos cinquenta porcos nomeados na faixa ‘Resistensia,’ a peça final do álbum, agora precisamos adicionar pelo menos mais oito — e, talvez, afiar as lâminas, carregar o espeto um pouco mais pesado, e jogar um pouco mais de combustível na fogueira.

“Que força é essa?” Voltemos à pergunta de Sérgio Godinho. Que força “carregamos nos braços”, uma que “exige apenas obediência”? Que força nos coloca “à vontade com os outros, mas em desacordo com nós mesmos”? Nos dias de hoje, olhamos em volta perdidos, cabisbaixos, já sentindo o gosto de sangue na boca. E ainda assim, esta música — esta fúria imanente — corta o torpor, oferecendo não um manifesto de ideias prontas, mas uma possibilidade concreta: dar à raiva um sentido de poder coletivo.

Essa possibilidade emerge do encontro de griots — cuja sabedoria paciente atravessa o tempo e o espaço — e riots (revoltas), respostas urgentes à violência imediata, um direito à autodefesa para aqueles que, para pegar emprestado novamente as palavras do último álbum, se recusam a viver como um “bakan kontenti tristi i filiss koitadu / ku se sina la dentu borsu i ku korda na piskoss ben marradu”.

Griots i Riots retoma exatamente de onde Nez txada skúru dentu skina na braku fundu parou. Em “Treinament,” a faixa final do álbum, fala sobre acordar mais uma vez com um propósito — “como um cão com dentes cerrados e mandíbula dolorida, olhos vermelhos esperando a noite cair”. Convocava uma “militância preparada” como uma raiz crescendo forte, voltando-se para armas e teoria com um dilema preciso: “libertação ou morte.” Não por coincidência, essas são também as primeiras palavras ouvidas em Griots i Riots, envoltas no som cristalino de uma kora tocada por Mbye Ebrima, então imediatamente perturbadas pelas frequências graves distorcidas que definem o mundo sonoro de Scúru Fitchádu.

Guiado por este mantra político, o álbum é construído sobre a tensão entre teoria e prática, palavra e ação, corpo e oralidade, a cidade e a auto-interrogação — concebendo a revolução não como uma utopia distante, mas como uma possibilidade concreta e diária. Não algo que virá de palácios, líderes de vanguarda ou comissões de especialistas, mas da práxis da experiência vivida, enraizada em comunidades comprometidas.

Sabendo que não há teoria revolucionária sem prática revolucionária, Griots i Riots confronta o tempo difícil da realidade com o tempo lento da sabedoria ancestral; desafia a apatia anestesiada da intervenção política e cultural ao conjurar uma dissensão que abre rachaduras em direção a outro futuro. Este confronto entre tempos e tensões — entre memória e urgência, entre palavra e ação — não é apenas um gesto poético ou político. É também o princípio composicional que estrutura o álbum, moldando seu ritmo e fôlego. Nós o ouvimos de imediato em “Griot i Riot,” a introdução, onde a sabedoria ancestral, carregada pela kora, é sobreposta e gradualmente contaminada pela sujeira sonora — pontuada por gritos de fundo e vocalizações urgentes.

Uma vez que o plano é estabelecido, a estratégia segue. “Idukasan i saud,” um grito acelerado de revolta popular que retrabalha linhas poéticas de À Queima Roupa de Sérgio Godinho (1974), é seguido por “Kel karta di alfuria…,” uma faixa pesada de baixo, reflexiva, sobre as armadilhas das falsas libertações perdidas nos emaranhados burgueses da Casa Grande. “Funda na poss,” um golpe visceral contra a postura submissa da cultura pop, é sucedida por “Du ta morrê,” uma meditação austera e lenta sobre a morte e o luto. A precisão acelerada de “Kema palasio kema” choca-se com a entrega poética e a distorção harmonizada de “Símia Kodjê”— uma faixa com Conan Osíris, onde uma voz com toques de fado nunca soou tão ricamente profanada. “Prekariadu,” um grito de batalha contra a precariedade sufocante das vidas na selva urbana, dá lugar a “Caoberdiano Barela,” uma reinterpretação comovente do clássico de Princezito, lembrando-nos de que esta é uma longa história que ainda se desenrola. Finalmente, “Resistensia” fecha o álbum, garantindo que não nos esqueçamos da clara identificação dos alvos: os porcos que grunhem, os lobos que uivam, as ovelhas que baixam a guarda.

Em seu terceiro disco, Scúru Fitchádu não perdeu nem a dissensão áspera e incisiva de Un Kuza Runhu (2020), nem a densidade poética, ética e sonora de Nez txada skúru dentu skina na braku fundu. Em Griots i Riots, ouvimos a mesma insubordinação, o impulso original, a mesma sujeira destinada a perturbar a gestão de uma paz podre. Mas também ouvimos um artista que é cada vez mais um poeta denso e sagaz, buscando expandir e dominar sua própria linguagem, sem jamais ceder à razão cínica de nossos tempos. Acima de tudo, um criador que escreve sobre seu tempo e seu povo, sintonizado com sua raiva latente, investido na busca por novas respostas nascidas da luta cotidiana. Um criador cuja música se torna a trilha sonora daqueles que se recusam a viver acorrentados, mas que se permite explorar — tanto em som quanto em conteúdo — reflexões mais profundas sobre a condição humana, as possibilidades de agência, a consciência da morte e o potencial do que está por vir: uma tentativa contínua de responder à pergunta de Sérgio Godinho — Que força é essa que carregamos nos braços? Continuemos a perguntar — e a lutar. Deste lado da barricada, ninguém morrerá de joelhos.

About the Author

João Mineiro is a sociologist, anthropologist, and cultural journalist based in Portugal, working on the intersections between sound, image, poetics, and the politics of contemporary Black and Afro-Portuguese music.

About the Translator

Priscilla Marques Campos is a Brazilian master of African social history. She is chief editor of Hydra Journal and enconto orí Review.

Further Reading